Câmara Municipal de Jaraguá do Sul

Projeto de Lei Ordinária 344/2021
de 23/03/2022
Veto Ocultar
Situação
Arquivamento Final
Entrada
14/02/2022
Natureza
Global
Autor
Executivo
ANTÍDIO ALEIXO LUNELLI
Resumo

Veto Integral referente ao Projeto de Lei Nº 344/2021 - Dispõe sobre a obrigatoriedade da aplicação do questionário M-CHAT no Município de Jaraguá do Sul e dá outras providências.

Texto

Ao analisar o Projeto de Lei Nº 344/2021, que trata sobre a obrigatoriedade da aplicação do questionário M-CHAT no município de Jaraguá do Sul, sou levado a vetá-lo integralmente em razão do interesse público pelas razões que passo a expor.

RAZÕES DO VETO

O Projeto de Lei Nº 344/2021 “dispõe sobre a obrigatoriedade da aplicação do questionário M-CHAT nas Unidades de Saúde e/ou Centros de Educação Infantil da Rede Municipal de Jaraguá do Sul como instrumento de triagem de desenvolvimento infantil para o rastreio do Transtorno do Espectro Autista” e defende que o questionário seja aplicado em crianças de 16 a 30 meses facultando ao Poder Público utilizar outros instrumentos de triagem de desenvolvimento infantil.

O M-CHAT é uma escala de rastreamento de sinais autísticos que é composto por 23 questões cujas respostas são “sim” ou “não”, sem maiores especificações. Deve ser aplicado pelo médico da criança durante a consulta de rotina e geralmente entre 16 e 30 meses, assim como a Entrevista de Seguimento que auxiliará na avaliação, conforme orientação da Sociedade Brasileira de Pediatria.

O questionário mencionado é um instrumento de avaliação que pode ou não ser utilizado na triagem de pacientes com suspeita de Transtorno Espectro Autista. A escolha do instrumento cabe única e exclusivamente ao profissional médico, não tendo a Administração, competência de interferir em sua técnica.

As Unidades de Saúde ao identificar indícios da doença realiza o encaminhamento do paciente para uma avaliação mais completa, atualmente atendida pela APAE através do Convênio Nº 721/2021.

A entidade, por sua vez, dispõe de uma equipe completa multidisciplinar para atender esse paciente e após todos os procedimentos necessários, fechar um diagnóstico preciso sobre a doença e condição da criança. Cada paciente atendido pela equipe multidisciplinar da APAE demanda de um período de investigação que vai de acordo com as necessidades da criança.

Ainda cabe esclarecer que para a aplicação do questionário deve ser apresentada a versão adaptada transcultural para que, assim, ele possa ser utilizado no contexto brasileiro.

O Transtorno do Espectro Autista (TEA), em sua definição atual, é tratado como um Transtorno do Neurodesenvolvimento e é caracterizado por prejuízos em três esferas do comportamento: interação social, comunicação e padrões de interesses e comportamentos repetitivos e estereotipados. Essas alterações, a depender da intensidade e gravidade do caso, levam a dificuldades adaptativas que podem ser percebidas nos primeiros anos de vida, ou seja, “As características comportamentais do transtorno do espectro autista tornam-se inicialmente evidentes na primeira infância”1.

O diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista é realizado de maneira clínica, a partir de indicadores, por meio de observações comportamentais e anamnese com os pais ou responsáveis sobre o desenvolvimento da criança. Essas observações e entrevistas com os responsáveis devem ser realizadas por um profissional capacitado técnica e teoricamente, guiado por critérios universais e descritivos com base em teorias do desenvolvimento e das neurociências (FERNANDES; TOMAZELLI; GIRIANELLI, 20202).

Informa-se que a utilização de qualquer instrumento, seja ele padronizado ou não, deve ser contextualizada considerando uma real necessidade e partindo da solicitação de profissionais que atendem a criança e que, na triagem desta, deve-se considerar aspectos da sua história, as contingências de seu cotidiano, a atual conjuntura social do ambiente em que está inserida, dentre outros aspectos para além da resposta a um questionário padronizado.

1Disponível em: AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION - APA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. Porto Alegre:

Artmed, 2014.

2Disponível em: FERNANDES, Conceição Santos; TOMAZELLI, Jeane; GIRIANELLI, Vania Reis. Diagnóstico de autismo no século XXI: evolução dos

domínios nas categorizações nosológicas. Psicologia USP, v. 31, 2020.

Desta forma, descabe aos profissionais dos Centros Municipais de Educação Infantil utilizarem um instrumento de triagem para o rastreio do Transtorno do Espectro Autista e, principalmente, pelo fato destas instituições não terem o caráter avaliativo.

Ainda quanto à triagem, nas unidades escolares da Rede Municipal de Ensino de Jaraguá do Sul, esta ação é realizada pelos profissionais da Equipe de Assessoria Multidisciplinar da Educação Especial da Secretaria Municipal de Educação utilizando-se de conhecimento teórico e prático, além de todo o profissionalismo que a situação requer. Esta equipe é composta por psicólogos, fonoaudiólogas e pedagogas.

Os profissionais citados realizam esta ação nas unidades escolares quando indicada a necessidade pela equipe escolar. A triagem é feita através de observações sistemáticas do comportamento da criança em seu ambiente escolar, na interação com colegas, no desenvolvimento e compartilhamento de suas brincadeiras. São realizadas também intervenções com a criança no momento da observação, conversa com professores e anamnese com os pais ou responsáveis, sendo esta de fundamental importância pois, muitas vezes, os genitores fornecem informações que remetem aos sinais de um possível Transtorno do Espectro Autista.

A partir dos dados coletados, os profissionais da Equipe de Educação Especial verificaram a necessidade de encaminhamento para uma avaliação com uma equipe multidisciplinar (Caesp/APAE).

Ademais, há que se ter muita cautela quando se trata de triagem e/ou qualquer hipótese diagnóstica, uma vez que pode acarretar em expectativas e ansiedade por parte da família, ou melhor, dos pais, além de ter-se muito claro que uma triagem não é fundamentada em apenas um questionário aplicado e respondido pelos genitores e, sim, em diversas ações.

Retira-se de documento do Departamento Científico de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria3 o arrazoado que define a competência de pediatra para aplicar e interpretar o questionário, sob risco, óbvio e gravíssimo, se não vetado o texto proposto, de termos pedagogos propondo análise que cabe somente à saúde.

3Disponível em https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/2017/04/19464b-DocCient-Autismo.pdf, acessado em 19 de janeiro de 2022, às 13h18min

O TEA é caracterizado por déficits e dificuldades na comunicação e interação social, associados a interesses e atividades restritas e circunscritas (2). O TEA é classificado, de acordo com a última versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM5), como sendo um transtorno do desenvolvimento, cujas características clínico-sintomatológicas iniciam nos primeiros anos da infância (3). Segundo o Center for Diseases Control and Prevention dos Estados Unidos (EUA), a prevalência atual do TEA nos EUA é de 1:68 casos (4) e no mundo a prevalência global é estimada em 1:100 casos (5). Quanto mais precoce for o diagnóstico, mais rápido o tratamento poderá ser iniciado e os resultados serão mais expressivos, uma vez que as janelas de oportunidades estão abertas nos primeiros anos de vida e a velocidade de formação de conexões cerebrais e neuroplasticidade estão na fase de maior desenvolvimento no cérebro (6,7). O lactente pode demonstrar sinais de autismo desde os primeiros meses de vida. O atraso para adquirir o sorriso social, demonstrar interesse em objetos sorrindo para eles e movimentando o corpinho em detrimento a desinteresse ou pouco interesse pela face humana, o olhar não sustentado ou ausente, a preferência por dormir sozinho no berço e demonstrar irritabilidade quando ninado no colo, a ausência da ansiedade de separação e indiferença quando os pais se ausentam podem ser sinais precoces que indicam que o desenvolvimento precisa ser avaliado e que há a necessidade de estimulação precoce focada na socialização, linguagem e afeto dessa criança. Cabe ao pediatra inserir essa investigação nas consultas de puericultura (8). Triagem precoce para Autismo/Transtorno do Espectro Autista 2 Após os 18 meses, os traços de autismo tornam-se mais evidentes. O pediatra deve investigar qualquer atraso de linguagem verbal ou não-verbal, contato social e o interesse no outro deficitários, interesses repetitivos proeminentes e estereotipias. A Academia Americana de Pediatria recomenda que toda a criança seja submetida a uma triagem para o TEA entre 18 e 24 meses de idade, que pode ser feito pela aplicação do M-CHAT (Anexo 1), mesmo naquelas que não estão sob suspeita diagnóstica de TEA ou outros transtornos, desvios e atrasos do desenvolvimento. O teste pode ser repetido em intervalos regulares de tempo ou quando houver dúvida (9). O M-CHAT é uma escala que está sendo disponibilizada pela SBP em parceria ao site Autismo & Realidade ONLINE. É auto-explicativa, fácil de ser realizada no consultório pelo pediatra durante a consulta de rotina da criança. O questionário é online e possui 23 questões claras, com respostas sim ou não, e que deve ser respondido pelos pais e/ou cuidadores. A escala compreende perguntas sequenciadas com respostas simples e, ao final, é fornecido um escore do total de pontos uma vez que o acesso é online. Esse total define se a criança tem risco ou não na triagem para autismo. O resultado deve ser repassado aos pais e/ou cuidadores na mesma consulta, sempre correlacionando o desenvolvimento e comportamento da criança com dados colhidos na anamnese e exame físico completos (9,10). Ao final do questionário o pediatria irá deparar-se com uma recomendação, como: 1) Seu Resultado: Não são apresentados sinais do Espectro Autista; ou 2) Seu Resultado: Deve-se ter atenção e procurar um Profissional de Saúde para determinar se está ou não dentro do Espectro Autista.

Insta repisar que sequer a equipe multidisciplinar dessa Secretaria, composta por profissionais como psicólogos, pedagogas, fonaudiólogas, aplica questionário M-CHAT, eis que, mais uma vez, este é papel médico (desde já esclareça-se também que descabe a aplicação por profissionais de unidade de saúde que não sejam da pediatria), conquanto a oferta da pasta é de serviço educacional, por óbvio, incompetente para tratar de questões que infiram minimamente em diagnóstico de saúde, isso pertine à pasta da Saúde.

Por tudo isso, é que se requer o VETO TOTAL do Projeto de Lei N° 344/2021, que “Dispõe sobre a obrigatoriedade da aplicação do questionário M-CHAT no Município de Jaraguá do Sul e dá outras providências”, por se tratar de matéria incongruente à Educação.

Ademais, o proposto texto legiferante é extremamente vago, sem especificar, diante de qualquer aplicabilidade, a cobertura de custos para implementação da lei. Pelos motivos expostos, padece de inconstitucionalidade o Projeto de Lei Nº 344/2021.

Dessa forma, em que pese a presença da constitucionalidade, a matéria mostra contrária ao interesse público, esperando o reexame criterioso dessa Casa, com o acolhimento do veto ora apresentado.

Jaraguá do Sul, 10 de fevereiro de 2022.

ANTÍDIO ALEIXO LUNELLI

Prefeito

Ementa

Dispõe sobre a obrigatoriedade da aplicação do questionário M-CHAT no Município de Jaraguá do Sul e dá outras providências.                                                     

Texto

Art. 1º. Fica estabelecido o M-CHAT (Modified Checklist for Autism in Toddlers) como instrumento de triagem de desenvolvimento infantil para o rastreio do Transtorno do Espectro Autista nas unidades de saúde e/ou centros de educação infantil da rede municipal de Jaraguá do Sul.

§ 1º O questionário M-CHAT (Modified Checklist for Autism in Toddlers) deverá ser aplicado às crianças entre 16 e 30 meses.

§ 2º Fica facultado ao Poder Público utilizar outros instrumentos de triagem de desenvolvimento infantil que venham a surgir posteriormente à publicação desta Lei e que sejam recomendados pelo Ministério da Saúde.

§ 3º O Poder Executivo Municipal buscará, no que lhe couber, a capacitação dos profissionais responsáveis pela aplicação do questionário.

Art. 2º O Poder Executivo Municipal poderá regulamentar a presente Lei no que couber.

Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Complemento

JUSTIFICATIVA: O presente Projeto de Lei estabelece o M-CHAT (Modified Checklist for Autism in Toddlers)  como instrumento de triagem de desenvolvimento infantil para o rastreio do Transtorno do Espectro Autista nas unidades de saúde e/ou centros de educação infantil da rede municipal de Jaraguá do Sul.  

Diagnosticar precocemente o autismo é fundamental para que as intervenções também possam ser realizadas quanto antes, possibilitando ganhos consideráveis no desenvolvimento da criança. Embora os sinais do Transtorno do Espectro Autista - TEA possam ser percebidos antes dos dois anos, não há um exame clínico para diagnosticá-lo.

Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria, o teste M-CHAT é o primeiro e mais comum protocolo a ser usado na triagem para o TEA. É utilizado para rastreamento precoce de autismo nos anos iniciais, que visa identificar indícios desse transtorno em crianças na faixa etária entre 16 e 30 meses.  

O teste M-CHAT é extremamente simples e não precisa ser administrada por médicos. São 23 perguntas que devem ser respondidas pelos pais, do tipo sim/não. A resposta aos itens da escala leva em conta as observações dos pais com relação ao comportamento da criança.

Por fim, ressalta-se que estes testes são de uso livres, tão somente clínicos, não envolvendo laboratórios, nem custos adicionais não implicando, dessa forma, em novos gastos para o Poder Executivo.

Assim, considerando a importância e o relevante interesse público da qual está revestida a proposta, conto com o apoio dos Nobres Vereadores na aprovação do presente projeto.

Usamos cookies e tecnologias semelhantes para melhorar sua experiência neste site.

Ao utilizar nossos serviços, você concorda com esse monitoramento.

Política de privacidade