Veto parcial ao Projeto de Lei Complementar nº 04/2017
Ao analisar as emendas a proposição de Lei Complementar Nº 4/2017, que tem por objeto “Regulamentar o Protesto de Certidões de Dívida Ativa do Município de Jaraguá do Sul e de Títulos Executivos Judiciais, Criando Normas de Procedimentos”, sou levado a vetá-las, parcialmente, pelas razões que passo a expor:
RAZÕES DO VETO
Trata-se o caso concreto de Projeto de Lei Complementar, de iniciativa do Poder Executivo, que dispõe sobre a regulamentação de protestos de certidões de dívida ativa no Município de Jaraguá do Sul, o qual sofreu duas emendas pela Câmara no que tange a aplicabilidade do exequente (prevista no art.1º) e outra no encaminhamento administrativo em relação a notificação (prevista no art.2º).
Veto a Emenda Aditiva Nº 1:
A Câmara de Vereadores aprovou o Projeto de Lei Complementar Nº 4/2017, entretanto alterou a incidência sobre o sujeito passivo (obrigado), aos casos de titular de domínio útil ou possuidor a qualquer título, o acréscimo de exequíveis altera o artigo 1º do texto legal, incluindo o paragrafo 1º e renumerando os subsequentes.
“§1º Nas hipóteses em que os tributos incidirem sobre os bens imóveis, considera-se como contribuinte o proprietário, o titular de seu domínio útil, ou seu possuidor a qualquer título.”
Tal alteração traz severa insegurança ao protesto pretendido, uma vez que a base de lançamento é o cadastro municipal de contribuintes, dispõe o Código Tributário Municipal (Lei Complementar Nº 1/1993) sobre o sujeito passivo da obrigação tributária:
“Art.19. Sujeito passivo da obrigação é a pessoa obrigada ao pagamento do tributo, de penalidade pecuniária, ou à prática ou à abstenção do ato.
Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:
I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;
...”
Logo, insta salientar que o devedor é o proprietário do imóvel/móvel ou de fato gerador de obrigação tributária diversa, ou seja, quem evidentemente encontra-se com a faculdade de direito sobre este, não obstante a autoridade administrativa mover toda a máquina pública a encontrar possuidor, cabe salientar a expressa previsão da Lei Complementar Nº 1/1993, acerca da obrigação cadastral:
“Art.88. Toda pessoa física ou jurídica, sujeita à obrigação tributária, deverá promover a inscrição, alteração e cancelamento no cadastro fiscal da Prefeitura, mesmo que isenta de tributos, de acordo com as
formalidades exigidas nesta Lei ou em regulamento, ou ainda, nos atos administrativos de caráter normativo destinados a complementá-los. (Redação dada pela Lei Complementar Nº 26/2002)”
A citada legislação prevê a imposição de penalidades pelo não cumprimento das atualizações cadastrais:
“Art.86. As infrações às disposições da presente lei serão punidas com as seguintes penalidades, sem prejuízo do disposto no artigo anterior, quando couber, ou das penalidades previstas nos capítulos próprios.
§1º Multas por infrações às disposições relativas à propriedade imobiliária urbana:
a) Falta de inscrição ou cadastramento do contribuinte, 2 (duas) Unidades Padrão Municipal, em cada mês, até regularização;
b) Demais alterações de cadastro, 1 (uma) Unidade Padrão Municipal;
c) Falsidade ou omissão em declaração ou documento, praticados para obtenção indevida de isenção ou outros benefícios, 2 (duas) Unidades Padrão Municipal.
§2º Multas por infrações às disposições relativas ao exercício de atividade ou prestação de serviços, junto ao Cadastro Mobiliário (grifo nosso).”
Assim, resta claro que o Código Tributário Nacional e também o Municipal, ao tratar como sujeito passivo da relação tributária “...o contribuinte o proprietário, o titular de seu domínio útil, ou seu possuidor a qualquer título”, não resguarda a ilegalidade das relações comerciais entre vendedores de imóveis e compradores que resultam na sonegação do ITBI pertencente ao Município, mas sim, por exemplo, a relação onde um filho que é o proprietário do imóvel e seus pais são usufrutuários.
Ressalte-se que os “contratos de gaveta” possuem eficácia apenas entre as partes e não contra terceiros. Seria irrazoável que o Município antes de promover o lançamento do crédito tributário fosse obrigado a diligenciar se o imóvel de determinado contribuinte foi negociado por intermédio de “contrato de gaveta” com seu vizinho para promover o devido lançamento. Seria a chancela da insegurança jurídica, até porque, no caso específico, o Ente Municipal seria obrigado a diligenciar que o vizinho que adquiriu o imóvel do proprietário que consta na matrícula já não realizou nova negociação com seu lindeiro. Tal o constante na emenda, salvo melhor juízo, beira à irresponsabilidade tributária, perpetuando situações ilegais, sangrando os cofres públicos.
Por fim, esclareço que o objeto da emenda aditiva nº 01 não pode ser levado a efeito em relação ao protesto do título, ressaltando que o título que será levado a Cartório se trata da Certidão de Dívida Ativa, documento este que resultou de todo o processo de lançamento do crédito tributário.
Veto a Emenda Aditiva Nº 2:
Este Poder Legislativo aprovou emenda aditiva número 2 ao Projeto de Lei Complementar Nº 4/2017, a inclusão do paragrafo 2º, ao artigo 2º, da proposta, visa alterar atividade administrativa inerente ao Poder Executivo:
“§2º Antes do encaminhamento da Certidão de Dívida Ativa pela Procuradoria-Geral do Município para o Tabelionato de Protesto de Títulos e Documentos, será notificado o devedor para que, no prazo de 30 (trinta) dias, regularize seu débito.”
Cabe salientar que a notificação extrajudicial, insta ser realizada por carta registrada (AR - Aviso de Recebimento), para que comprove o conhecimento do devedor junto a obrigação tributária, logo, o envio de correspondência oficial, importaria em montante considerável aos cofres públicos, demostrando-se inexequível, dado as diversas medidas de contenção de despesas atuais abordadas pela administração municipal, cito Decretos Municipais Nºs 10.365/2015; 10.582/2015 e 10.964/2015, além das propostas legislativas apresentadas a esta Casa de Leis e o próprio objeto desta Lei Complementar que visa a obtenção de recursos deficitários, logo, não busca a investida em despesas ao erário.
Ademais, os créditos tributários pertencentes a matéria em apreço, são variáveis e deveras inatingíveis, tendo natureza diversa e não exclusiva a lançamentos imobiliários, em sua maioria são créditos que perfazem inadimplência a vários períodos, a executabilidade imediata visa desburocratizar a Administração Pública, valorizar os contribuintes adimplentes e reorganizar as finanças municipais que devem atender ao coletivo.
Dessa forma, pelo princípio da simetria, no âmbito municipal cabe somente ao Prefeito estabelecer regras e organizar o funcionamento, mediante leis ou decretos (caso não haja aumento de despesa nem a criação ou extinção de cargos públicos) dos bens públicos afetos às Secretarias do Município não devendo o legislativo se imiscuir nesse mister. O Poder Legislativo pode, apenas, nesses casos realizar indicações legislativas, mas não, como no caso concreto, sob Projeto de Lei, sob pena de violação do princípio constitucional da harmonia e separação dos poderes.
Outrossim, de acordo com o artigo 37, inciso IV, da Lei Orgânica Municipal de Jaraguá do Sul o Prefeito detém competência para a iniciativa de projetos de lei que versam sobre organização administrativa e serviços públicos, in verbis:
“Art.37. Compete privativamente ao Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:
…
IV - organização administrativa, matéria orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração;
...”
A respeito do tema discutido o eminente administrativista Hely Lopes Meirelles leciona:
“Em sua função normal e predominante sobre as demais, a Câmara elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais e obrigatórias de conduta.
Esta é a sua função específica, bem diferenciada da do Executivo, que é a de praticar atos concreto de administração. Já dissemos, e convém se repita, que o Legislativo prevê in genere, o Executivo in specie; a Câmara edita normais gerais, o prefeito as aplica aos casos particulares ocorrentes.”
Daí não ser permitido a Câmara intervir direta e concretamente nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimento verbas ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o que mais se traduzir em atos ou medidas de execução governamental.
Atuando através das leis que elaborar o atos legislativos que editar, a Câmara ditará ao Prefeito normas gerais da Administração, sem chegar à prática administrativa. A propósito, têm decidido o STF e os Tribunais estaduais que é inconstitucional a deslocação do poder administrativo e regulamentar do Executivo para o Legislativo.
De um modo geral, pode a Câmara, por deliberação do plenário, indicar medidas administrativas ao Prefeito adjuvandi causa, isto é, a título de colaboração e sem força coativa ou obrigatória para o Executivo; o que não pode é prover situações concretas por seus próprios atos ou impor ao Executivo a tomada de medidas específicas se sua exclusiva competência e atribuição. Usurpando funções do Executivo ou suprimindo atribuições do Prefeito, a Câmara praticará ilegalidade reprimível por via judicial.
Esse entendimento também está em consonância com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
“AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 578.017 RIO DE JANEIRO - RELATOR: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI - AGTE.(S): CÂMARA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO - EMENTA: AGRAVO
REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PELO TRIBUNAL DE ORIGEM EM FACE DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. LEI MUNICIPAL 3.524/2003. LEI QUE DISPÕE SOBRE ATRIBUIÇÃO DE ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. VÍCIO FORMAL. INICIATIVA DO PODER EXECUTIVO. AGRAVO IMPROVIDO. I - O acórdão recorrido encontra-se em consonância com o entendimento desta Corte, no sentido de que é inconstitucional a lei proveniente de iniciativa parlamentar que disponha sobre atribuições de órgãos da Administração Pública.
Precedentes. II - Agravo regimental improvido. (...) A pretensão recursal não merece acolhida. É que o acórdão recorrido encontra-se em consonância com o entendimento desta Corte, no sentido de que é
inconstitucional a lei proveniente de iniciativa parlamentar que disponha sobre atribuições de órgãos da Administração Pública. Nesse sentido, destaco trecho da decisão proferida no RE 627.255/RJ, Rel. Min. Cármen Lúcia: '(...) aplica-se à espécie vertente a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal no sentido de que é formalmente inconstitucional a lei resultante de iniciativa parlamentar que
disponha sobre atribuições de órgãos da Administração Pública'. Com esse mesmo raciocínio, menciono os seguintes julgados, entre outros: ADI 2.730/SC e ADI 2.329/AL, Rel. Min. Cármen Lúcia; ADI 2.857/AL e ADI 3.180/AP, Rel. Min. Joaquim Barbosa; ADI 2.417/SP e ADI 2.646/SP, Rel. Min. Maurício Corrêa; ADI 1.275/SP e AI 778.815/RJ, de minha relatoria. Isso posto, nego seguimento ao recurso (CPC, art. 557,
caput)” (fls. 158-159). (grifo nosso)”
“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 6.835/2001 DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. INCLUSÃO DOS NOMES DE PESSOAS FÍSICAS E JURÍDICAS INADIMPLENTES NO SERASA, CADIN E SPC. ATRIBUIÇÕES DA SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA. INICIATIVA DA MESA DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. A lei 6.835/2001, de iniciativa da Mesa da Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo, cria nova atribuição à Secretaria de Fazenda Estadual, órgão integrante do Poder Executivo daquele Estado. À luz do princípio da simetria, são de
iniciativa do Chefe do Poder Executivo estadual as leis que versem sobre a organização administrativa do Estado, podendo a questão referente à organização e funcionamento da Administração Estadual, quando não importar aumento de despesa, ser regulamentada por meio de Decreto do Chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, e e art. 84, VI, a da Constituição federal). Inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa da lei ora atacada” ADI 2.857, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, DJe
30.11.2007 - grifos nossos).”
“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL 10539/00. DELEGACIA DE ENSINO. DENOMINAÇÃO E ATRIBUIÇÕES. ALTERAÇÃO. COMPETÊNCIA. CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. SIMETRIA. OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA PELOS ESTADOS-MEMBROS. VETO. REJEIÇÃO E PROMULGAÇÃO DA LEI.VÍCIO FORMAL: MATÉRIA RESERVADA À INICIATIVA DO PODER
EXECUTIVO. 1. Delegacia de ensino. Alteração da denominação e das atribuições da entidade. Iniciativa de lei pela Assembléia Legislativa. Impossibilidade. Competência privativa do Chefe do Poder Executivo
para deflagrar o processo legislativo sobre matérias pertinentes à Administração Pública (CF/88, artigo 61, § 1º, II, "e"). Observância pelos estados-membros às disposições da Constituição Federal, em razão da simetria. Vício de iniciativa. 2. Alteração da denominação e das atribuições do órgão da Administração Pública. Lei oriunda de projeto da Assembleia Legislativa. Veto do Governador do Estado, sua rejeição e a promulgação da lei. Subsistência do atentado à competência reservada ao Chefe do Poder Executivo para dispor sobre a matéria. Vício formal insanável, que não se convalida. Ação julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei 10539, de 13 de abril de 2000, do Estado de São Paulo” (ADI 2.417, Rel. Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, DJ 5.12.2003 - grifos nossos).”
Nesse aspecto, mister trazer ainda à baila, que, salvo melhor juízo, desarrazoada a pretensão legislativa, uma vez que antes do protesto o próprio Cartório já promove a notificação, podendo o contribuinte, inclusive, acostar defesa no próprio ato registral.
Dessa forma, não há alternativa senão vetar parcialmente o Projeto de Lei Complementar Nº 4/2017, nas Emendas Aditivas Nº 1 e Nº 2, de iniciativa desse Egrégio Legislativo, esperando o reexame criterioso desta Casa, com o acolhimento do veto ora apresentado.
Essas, Senhor Presidente, são as razões que me levaram a vetar os dispositivos acima mencionados do Projeto de Lei Complementar Nº 4/2017, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Vereadores.
Na oportunidade, informo que SANCIONEI os demais dispositivos do Projeto de Lei Complementar Nº 4/2017, resultando na Lei Complementar Municipal Nº 192/2017, de 05/05/2017, que ora encaminho.
Jaraguá do Sul, 05 de maio de 2017.
ANTÍDIO ALEIXO LUNELLI
Prefeito