Veto total ao Projeto de Lei Complementar nº 7/2020.
Ao analisar a Proposição de Lei Complementar Nº 7/2020, que “Insere o §2º, no Artigo 4º, da Lei Complementar Nº 102/2010”, que “DISPÕE SOBRE A CONTRATAÇÃO POR TEMPO DETERMINADO PARA ATENDER A NECESSIDADE TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO, NOS TERMOS DO INCISO IX, DO ARTIGO 37, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL”, sou levado a vetá-la, pelas razões que passo a expor:
RAZÕES DO VETO
Trata-se o caso concreto de Projeto de Lei Complementar, de iniciativa do Poder Executivo, que dispõe sobre alterações na legislação pertinente à contratação por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos do inciso IX, do artigo 37, da Constituição Federal, propondo a obrigatoriedade de manutenção de servidores contratados precariamente em caso de decretação de estado de emergência ou calamidade pública.
A Câmara de Vereadores aprovou o Projeto de Lei Complementar Nº 7/2020, inserindo o §2º, ao artigo 4º, da Lei Complementar Municipal Nº 102/20101.
Ressalte-se que as prerrogativas que autorizam a contratação temporária de pessoal por parte da Administração Pública são regidas pelo artigo 37, inciso IX, da Constituição Federal, o qual prevê a normatização, por lei, dos casos de contratação por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público.
Consabido que os servidores contratados por tempo determinado, nos termos da Carta Magna, já mencionada, são regidos por lei própria, no caso do Município de Jaraguá do Sul, através da Lei Complementar Municipal Nº 102/20102.
O texto legiferante é que determina o regime de contratação, sem se olvidar que os contratados temporários, por natureza, exercem função em substituição a servidor efetivo porque, por certo, a continuidade do serviço público é princípio inafastável.
Diógenes Gasparini (2003, p. 148) aponta os contratados temporariamente como uma categoria própria:
1Disponível no sítio www.soleis.com.br, acessado em 15 de junho de 2020, às 15h
2Disponível no sítio www.soleis.com.br, acessado em 15 de junho de 2020, às 15h20min
Por motivos óbvios não podem ser havidos como agentes políticos. Não são servidores públicos nem agentes governamentais, visto que celebram com a Administração Pública um vínculo de caráter eventual, o que não ocorre com essas espécies de agentes públicos, que celebram vínculos perenes. Também não são agentes de colaboração dada a especificidade das finalidades de sua contratação. Compõem, então, uma categoria própria: a dos agentes temporários. Podem ser definidos como os agentes públicos que se ligam à Administração Pública, por tempo determinado, para o atendimento de necessidades de excepcional interesse público, consoante definidas em lei.Podem existir tanto na Administração Pública direta como na indireta. Não ocupam cargo nem emprego público. Desempenham função, isto é, uma atribuição ou rol de atribuições.
No entanto, com todo respeito à Casa de Leis, mas desde já é preciso dizer que o Projeto já mencionado é natimorto, conquanto padece de vício insanável, qual seja, o vício de iniciativa, eis que, a saber, há inconstitucionalidade formal, porquanto viola deliberadamente o princípio da separação dos poderes, expresso tanto na Carta Catarinense, no artigo 32, quanto na Magna Federal, no artigo 2º, como, ainda, é bom lembrar, a Constituição Federal, no artigo 39, prevê a liberdade de os Municípios organizarem os seus quadros.
Assim, retira-se por simetria constitucional, atingem-se os Poderes Executivo e Legislativo dos municípios catarinenses com clara invasão de competência e, por tabela, do Princípio Constitucional da Reserva da Administração, pois “O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. (…) Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultravires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais”.3 (grifo aditado por mim)
E assenta o TJSC4 mencionando a mais alta Corte, o STF, validando ação direta de constitucionalidade em caso concreto:
3Disponível em (STF - Tribunal Pleno. ADI-MC Nº 2.364/AL. DJ de 14/12/2001, p.23. Rel. Min. CELSO DE MELLO), acessado em 15 de junho de 2020, às 18h
4Disponível em Direta de Inconstitucionalidade Nº 4003523-79.2018.8.24.0000 Relator: Desembargador Alexandre d'Ivanenko, acessado em 16 de junho de 2020, às 8h
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal já decidiu:
[...] A disposição sobre regime jurídico dos servidores municipais é de competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo, nos termos do art. 61, § 1º, II, a e c, da Constituição Federal, de observância obrigatória pelos Municípios (RE 370.563/AgR, Segunda Turma, Relª Minª Ellen Gracie, DJe de 27-6-2011).
Aliás, conforme assentado pelo Pretório Excelso em diversas oportunidades, "a jornada de trabalho compreende-se no conceito de regime jurídico, e, por isso, insere-se no plexo de iniciativas reservadas ao Chefe do Poder Executivo" (ADI 766, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 11-12-1998; ADI 407, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 19-11-1999; ADI 2754, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ de 16-5-2003; ADI 3739, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 29-6-2007; ADI 3175, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 3-8-2007 - sem destaque no original).
Esclareça-se, nesse aspecto, que jornada de trabalho não se resume à carga horária diária, semanal ou mensal. Também diz respeito à forma como ela deve ser disposta num determinado período, incluindo aí o sistema de compensação de horas extras mais flexível, assim denominado de "banco de horas".
Na realidade, não faz sentido, há de se convir, o Poder Legislativo local estipular regra com a qual o administrador público por excelência - Chefe do Poder Executivo - talvez nem tenha condições de colocá-la em prática na gestão do Município, seja pela insuficiência de pessoal para substituição durante a compensação, seja até mesmo por impactar nas contas públicas, criando despesas, como, por exemplo, na conversão em pecúnia das horas não gozadas na hipótese de rescisão do contrato de trabalho (art. 5º da lei impugnada).
Por isso, o princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo (RE 427.574 ED/MG, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, j. 13-12-2011).
Bem por isso, repise-se, não se sustenta o Projeto de Lei, porque é competência privativa do Chefe do Poder Executivo: “[…] dispor sobre a organização e o funcionamento da administração municipal, na forma da lei; e criar e extinguir os cargos, empregos e funções públicas, e expedir os demais atos referentes à situação funcional dos servidores públicos municipais, na forma da lei;”, conforme dita a redação dada pela Lei Orgânica Municipal, com emenda Nº 01/2010, no artigo 71, respectivamente, incisos XII e XIII5.
5Disponível em www.soleis.com.br, acessado em 15 de junho de 2020, às 17h42min
Ora, quer o nobre Vereador que Servidores Públicos (erroneamente chamados de “funcionários” no texto) contratados em caráter precário não possam ser dispensados (sic) em caso de calamidade pública ou de estado de emergência, exceptuando-se apenas os casos nos quais o titular da vaga retorne à função de origem ocupada pelo contratado.
Pois bem.
Se não há como sancionar o Projeto pelo já apontado vício que fulmina qualquer vestígio de legalidade, mesmo não fosse isso, melhor sorte não teria o texto proposto.
É que não obstante o fato de que compete exclusivamente ao Poder Executivo os atos de contratação e demissão de Servidores, é de dizer, não fosse a Pandemia pela Covid-19 os Servidores contratados já teriam sido demitidos em março, eis que suspenso o edital de Concurso Público Nº 001/20196 em função da pandemia, afinal a contratação é justamente temporária, o que gerou a suspensão contratual e não demissão, embora assim o fosse, legítimo seria pela natureza contratual.
O que não é possível, em momento algum, é o Município manter contratos ativos sem contraprestação laboral e sem a possibilidade de reposição, vez que os discentes, objeto das contratações, estão sendo atendidos por meio digital e com continuidade do currículo regular, ou seja, não houve suspensão contratual de docente regente, mas apenas e tão somente de funções de auxílio ao regente.
Ainda e não menos importante, a texto legiferante proposto não leva em conta que a ingerência legislativa é contrária ao orçamento do Poder Executivo, porquanto se de um lado manter-se-iam servidores recebendo sem prestação laboral, pelo outro, o estado de emergência/calamidade pública são situações extremas nas quais o orçamento é arranhado, como no caso concreto, no qual as rubricas recebidas do Fundeb diminuíram 15% em abril, 21,51%7 em maio em relação ao ano anterior e com previsão de baixa de
6Disponível em www.sociesc.selecao@net.com.br, acessado em 15 de junho de 2020, às 13h57min
7Dados disponíveis no sítio oficial do Município, no Portal da Transparência
22% mensalmente até dezembro de 20208, sem se descurar que a previsão de baixa do PIB (Produto Interno Bruto) vem crescendo exponencialmente e em junho chegou-se a retração prevista de 6,25%, de acordo com instituições financeiras9, ou seja, quer-se impor insuficiência orçamentária, pondo-se em risco a continuidade de pagamento daqueles que estão, de fato, a laborar.
Concluo, assim, este veto com o límpido e pontual raciocínio do Desembargador Alexandre d'Ivanenko10 acerca do tema, por analogia:
Na realidade, não faz sentido, há de se convir, o Poder Legislativo local estipular regra com a qual o administrador público por excelência - Chefe do Poder Executivo - talvez nem tenha condições de colocá-la em prática na gestão do Município, seja pela insuficiência de pessoal para substituição durante a compensação, seja até mesmo por impactar nas contas públicas, criando despesas, como, por exemplo, na conversão em pecúnia das horas não gozadas na hipótese de rescisão do contrato de trabalho (art. 5º da lei impugnada).
Por isso, o princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo (RE 427.574 ED/MG, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, j. 13-12-2011).
Significa dizer, então, que ofende a denominada reserva de administração, decorrência do conteúdo nuclear do princípio da separação de poderes (art. 2º da Constituição da República e art. 32 da Constituição Catarinense), a criação de "banco de horas" no âmbito da administração direta e indireta do Município de Lontras, mormente quando constante de ato normativo emanado do Poder Legislativo fruto de iniciativa parlamentar, porquanto supressora da margem de apreciação do chefe do Poder Executivo municipal na condução da administração pública, no que se inclui a formulação da política pública voltada à organização dos servidores municipais e ipso facto do regime jurídico correspondente. (grifo aditado por mim)
8Informações prestadas pelo Diretor Financeiro e Contábil, o Servidor Público Élcio Ricardo Alberton
9Disponível em https://www.sunoresearch.com.br/noticias/citi-brasil-previsao-pib-2020 , acessado em 15 de junho de 2020, às 14h23min: “O Citi Brasil informou nesta quarta-feira (20) que revisou a projeção para o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em 2020 para uma queda de 6,5%, com uma recessão duas vezes mais dura do que a vivida na crise financeira de 2008”.
10Disponível no sítio do TJSC, Direta de Inconstitucionalidade Nº 4003523-79.2018.8.24.0000 Relator: Desembargador Alexandre d'Ivanenko, acessado em 16 de junho de 2020, às 14h38min
Sem mais, Exmo. Sr. Presidente, estas são as razões que me levaram a vetar o Projeto de Lei Complementar Nº 7/2020, devolvendo-a ao reexame desta Egrégia Câmara Municipal.
Jaraguá do Sul, 19 de junho de 2020.
ANTÍDIO ALEIXO LUNELLI
Prefeito