MENSAGEM DE VETO Nº 011/2020

Três Corações - MG, 11 de novembro de 2020.

Excelentíssimo Senhor

HELDER DA FONSECA REIS

Presidente da Câmara Municipal de Três Corações

NESTA

Senhor Presidente,

Em cumprimento ao disposto na Lei Orgânica Municipal, venho por esta mensagem de veto, comunicar a Vossa Excelência o veto total por mim aposto ao Projeto de Lei que, “Institui o Programa “Nessa Mesa Cabe Mais Um”, no âmbito do Município de Três Corações/MG, e dá outras providências.”

O Projeto de Lei Nº 5293/2020 que “Institui o Programa “Nessa Mesa Cabe Mais Um”, no âmbito do Município de Três Corações/MG, e dá outras providências”, apresenta vícios insanáveis de formalidade, legalidade e inconstitucionalidade, e, consequente nulidade, quanto à iniciativa, bem como à criação de despesa não prevista no orçamento anual do Município.

A proposição legislativa em questão pretende implantar serviço público que consiste em captar, selecionar e avaliar alimentos in natura, produtos industrializados e refeições prontas para o consumo, para, além disso, distribuir à população em situação de vulnerabilidade ou de risco alimentar/nutricional, dentre outros pontos previstos em sua redação.

A criação dos serviços públicos em âmbito municipal é de responsabilidade única do chefe do Poder Executivo, por ser a autoridade responsável por administrar as contas públicas, delas prestando contas e responsabilizando-se pelo zelo ao erário.

Tem-se na Lei Orgânica Municipal a expressa previsão da ordem contida no artigo 61, §1º da Constituição Federal, aquela que é norma de repetição obrigatória para todos os entes federados, e que é certeira ao dizer que a matéria tipicamente administrativa é afeta ao Executivo:

Art. 100 - São de iniciativa privativa do Prefeito, as leis que disponham sobre:

(...)

III - organização administrativa, matéria orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração; (NR) (grifamos)

Note-se que um novo serviço público, deve ser criado, obrigatoriamente, através de iniciativa do Poder Executivo, ao passo que totalmente inaplicável e incabível qualquer alteração através de lei ordinária proposta pelo Poder Legislativo, como apresentado no Projeto de Lei Nº 5293/2020, haja vista a hierarquia das normas e o poder de iniciativa privativo.

Tem-se assim que novas normas a serem criadas em matéria eminentemente administrativa, como as que se referem à instituição de um novo serviço público, devem atender à realidade financeira do ente municipal, não podendo ser criada uma despesa à margem da receita existente.

Repita-se que a norma que cria obrigação à municipalidade, impondo aumento de despesa, é de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo, pois o Poder Legislativo, ao criar norma dessa envergadura, viola ainda o disposto no artigo 66, inciso III, da Constituição do Estado de Minas Gerais, aplicável, aos municípios, pelo princípio da simetria.

Outrossim, o Projeto de Lei Nº 5293/2020 também fere o disposto no artigo 153 e seguintes da Constituição Estadual de Minas Gerais, ao criar despesa não prevista na lei de diretrizes orçamentárias ou orçamento anual do Município de Três Corações, pois cria serviço que, para implantação, manutenção e geração de resultados exigirá gastos não previstos em lei.

Sobretudo, configura transgressão aos princípios da harmonia e separação dos poderes a interferência direta na autonomia e independência do Poder Executivo, ao pretender impor-lhe a obrigação de instituir serviço em desacordo com o orçamento municipal.

A redação final do Projeto de Lei Nº 5293/2020 determina que o “Município deverá constituir uma Comissão Gestora”, arrolando nos incisos do seu artigo 2º todas as atribuições/atividades a serem exercidas pelos servidores municipais constituídos para tais funções.

Há que se atentar para a realidade vivida pelo Município, mormente as limitações existentes no que se refere aos recursos humanos e materiais, sendo certo que referido projeto, por ora, oneraria o Município em demasia, isto porque os profissionais envolvidos deveriam ter a capacitação e a disponibilidade necessária para a distribuição diária, além da necessidade de veículos especializados para o acondicionamento e transporte dos alimentos.

Contudo, o veto total insurge-se diante da inconstitucionalidade do Projeto de Lei resultante da usurpação do poder de iniciativa.  Conforme precedente do Supremo Tribunal Federal, até mesmo a ulterior aquiescência do Chefe do Poder Executivo, mediante sanção, não tem o condão de sanar o vício da inconstitucionalidade de usurpação, conforme se observa da superação do enunciado 5 do STF:

“O desrespeito à prerrogativa de iniciar o processo de positivação formal do Direito, gerado pela usurpação do poder sujeito à cláusula de reversa, traduz vício jurídico de gravidade inquestionável, cuja ocorrência reflete típica hipótese de inconstitucionalidade formal, apta a infirmar, de modo irremissível, a própria integridade jurídica do ato legislativo eventualmente editado. Dentro desse contexto - em que se ressalta a imperatividade da vontade subordinante do poder constituinte -, nem mesmo a aquiescência do Chefe do Executivo mediante sanção ao projeto de lei, ainda quando dele seja a prerrogativa usurpada, tem o condão de sanar esse defeito jurídico radical. Por isso mesmo, a tese da convalidação das leis resultantes do procedimento inconstitucional de usurpação - ainda que admitida por esta Corte sob a égide da Constituição de 1946 (Súmula n.º 5 ) - não mais prevalece, repudiada que foi seja em face do magistério da doutrina (...), seja, ainda, em razão da jurisprudência dos Tribunais, inclusive a desta Corte (...)." (ADI 1197 , Relator Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgamento em 18.5.2017, DJe de 31.5.2017).

Nesse sentido: ADI 2113, Relatora Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgamento em 4.3.2009, DJe de 21.8.2009; ADI 2867 , Relator Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgamento em 3.12.2003, DJe de 9.2.2007; ADI 1381 MC , Relator Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgamento em 7.12.1995, DJe de 6.6.2003; ADI 1438 , Relator Ministro Ilmar Galvão, Tribunal Pleno, julgamento em 5.9.2002, DJe de 8.11.2002; ADI 700 , Relator Ministro Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgamento em 23.5.2001, DJe de 24.8.2001; Rp 890 , Relator Ministro Oswaldo Trigueiro, Tribunal Pleno, julgamento em 27.3.1974, DJe de 7.6.1974.

Embora louvável a iniciativa dos Nobres Edis, deve se reforçar que o momento vivido pelo Município, singularmente pela pandemia, reduziu a arrecadação dos cofres públicos - resultado evidente do aumento do número de pessoas inseridas em situação de vulnerabilidade, o que impossibilitaria, dada a dimensão populacional do Município, a prestação do serviço público proposto de maneira isonômica.

Não obstante a inconstitucionalidade declarada, em termos práticos, no que tange à demanda de pessoal e geração de despesa, é importante frisar que não se trata apenas de selecionar os alimentos aptos ou não ao consumo, mas ainda, selecionar e abastecer toda a população beneficiária, o que obrigatoriamente se mostra inexequível.

Ex positis, o Projeto de Lei Nº 5293/2020 que “Institui o Programa “Nessa Mesa Cabe Mais Um”, no âmbito do Município de Três Corações/MG, e dá outras providências”, apresentado por membros da Câmara Municipal, apresenta vício insanável de legalidade, formalidade e inconstitucionalidade acerca da usurpação de iniciativa, em razão da competência privativa do Poder Executivo de legislar acerca dos serviços públicos, e ainda,  pela criação de despesa não prevista no orçamento anual do Município, o que acarretam nulidade ao Projeto, ao passo que compete privativamente ao Poder Executivo propor a legislação acerca dos serviços públicos e despesa, nos termos do art. 100, III da Lei Orgânica do Município de Três Corações, e ainda, por violar o disposto no artigo 153 e seguintes da Constituição Estadual de Minas Gerais.

Diante das considerações apresentadas, demonstrados os óbices que impedem a sanção do texto do Projeto de Lei Nº 5293/2020, em virtude de sua inconstitucionalidade formal em razão de vício de iniciativa e criação de despesa não prevista no orçamento, somos levados a propor o veto em sua totalidade ao citado Projeto de Lei, não podendo o mesmo fazer parte do ordenamento jurídico municipal.

Pelo exposto, é o presente veto total, a fim de apreciação dessa Ilustre Casa Legislativa.

Atenciosamente,

CLÁUDIO COSME PEREIRA DE SOUZA

Prefeito de Três Corações – MG