Câmara Municipal de Três Corações - MG

Lei Ordinária nº 4675/2022
de 21/03/2022
Ementa

Disponibiliza a realização de exames para detecção de distúrbios cognitivos, emocionais e comportamentais na rede pública de saúde do Município de Três Corações, e dá outras providências.

Documento Oficial Imagem da Lei
Texto

Art. 1º Todo cidadão residente no Município de Três Corações/MG, sobretudo crianças e idosos, têm direito a ser, na rede pública de saúde, clinicamente avaliado por profissional habilitado, quando apresentar sinais e sintomas compatíveis com alterações cognitivas, emocionais e comportamentais, dentre os quais destacam-se:

I - dificuldades de aprendizagem;

II - perda de memória;

III - déficit das funções executivas, como planejamento e organização;

IV - dificuldade para se concentrar;

V - déficit de atenção;

VI - déficit de raciocínio;

VII - dificuldade com resolução de problemas;

VIII - déficit de habilidades perceptivas e motoras.

Art. 2º Fica disponibilizada, na rede pública de saúde, gratuitamente, a critério médico, a realização de exames laboratoriais, exames de neuroimagem, e o exame neuropsicológico, por profissional competente.

§ 1º O exame neuropsicológico é um procedimento de investigação clínica cujo objetivo é mensurar e descrever o perfil de desempenho cognitivo, comportamental e emocional de um paciente. Diferentemente de outras modalidades de avaliação cognitiva, o exame neuropsicológico parte necessariamente de um pressuposto monista materialista segundo o qual todo comportamento, processo cognitivo ou reação emocional tem como base a atividade de sistemas neurais específicos;

§ 2º O exame neuropsicológico deverá ser realizado por profissional capacitado, e deverá envolver uma série de procedimentos complexos e minuciosos, que incluem:

I - testes neurológicos e psicológicos específicos;

II - anamnese a partir de entrevistas com o paciente e seus familiares;

III - observação clínica.

§ 3º Clinicamente, o exame neuropsicológico, tem destaque nas seguintes indicações:

I - caracterização geral do comportamento e da cognição de um paciente;

II - avaliação cognitiva para definição diagnóstica (p. ex., avaliação das demências, deficiência intelectual, transtornos de aprendizagem, dislexia, acidente vascular cerebral, epilepsia, transtornos psiquiátricos);

III - avaliação neuropsicológica complementar ao diagnóstico , podendo identificar comorbidades e auxiliar no prognóstico e acompanhamento da evolução clínica (p. ex., traumatismo cranioencefálico, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade);

IV - situações em que não há contribuição para questões de diagnóstico diferencial (p. ex., entre transtorno bipolar e esquizofrenia), mas em que o exame pode ser fundamental na identificação de disfunções cognitivas que serão alvos terapêuticos (p. ex., identificação de alvos para reabilitação ou remediação cognitiva);

V - situações em que ocorreram prejuízos ou modificações cognitivas, afetivas e/ ou sociais, em decorrência de eventos que atingiram primária ou secundariamente o sistema nervoso central (p. ex., traumatismo cranioencefálico, tumor cerebral, epilepsia, acidente vascular cerebral, distúrbios tóxicos, doenças endócrinas ou metabólicas e deficiências vitamínicas);

VI - situações em que a eficiência neuropsicológica não é suficiente para o desenvolvimento pleno das atividades da vida diária, acadêmica, profissional ou social (p. ex., transtornos específicos do desenvolvimento, transtornos globais do desenvolvimento, deficiência intelectual);

VII - situações geradas ou associadas a uma desregulação no balanço bioquímico ou elétrico do cérebro, decorrendo disso modificações ou prejuízos cognitivos ou afetivos (p. ex., epilepsias sem causas conhecidas, transtornos psiquiátricos, afasias);

VIII - monitoramento da cognição e do comportamento de um paciente que será submetido a um tratamento médico (p. ex., neurocirurgia ou farmacoterapia);

IX - questões médico-legais em neuropsicologia forense;

X - monitoramento de alterações cognitivas ao longo do tempo (p. ex., acompanhamento longitudinal de pacientes com comprometimento cognitivo leve);

XI - questões relacionadas à determinação das condições do paciente para conduzir veículos automotores;

XII - avaliação do impacto de algumas condições clínicas como a dor e a apneia do sono, em processos cognitivos;

XIII - como rotina no seguimento de pessoas que atuam em determinados ramos profissionais que envolvem risco de comprometimento cognitivo (p. ex., praticantes de diversas modalidades esportivas que apresentam risco elevado de concussões);

XIV - avaliação das condições de um paciente para gerir sua própria vida de forma independente, mesmo fora do contexto médico-legal.

Art. 3º Sob indicação médica, respeitados os critérios de urgência para os casos específicos, terá prioridade quanto à sua disponibilização junto à Secretaria Municipal de Saúde, a realização de tais exames.

Art. 4º A Administração Pública Municipal fica autorizada a celebrar convênios, parcerias, contratações, e/ou outros instrumentos de cooperação para a execução do que determina essa Lei.  

Art. 5º As despesas decorrentes da aplicação da presente Lei correrão por conta de dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.

Art. 6º O Poder Executivo Municipal regulamentará a presente Lei, no que couber, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, a contar da data de sua publicação.

Art. 7º Essa Lei entra em vigor na data de sua publicação, nos termos do art. 174 e § 1º da Lei Orgânica Municipal.

Complemento

Justificativa:

A presente proposição determina que todo cidadão residente no Município de Três Corações/MG, sobretudo crianças e idosos, têm direito a ser, na rede pública de saúde, clinicamente avaliado por profissional habilitado, quando apresentar sinais e sintomas compatíveis com alterações cognitivas, emocionais e comportamentais. Tal avaliação implica na possibilidade de, a critério médico, se realizar exames laboratoriais, exames de neuroimagem e, particularmente, exame neuropsicológico.

A construção deste projeto contou com postulações teóricas descritas por Leandro F. Malloy-Diniz, Paulo Mattos, Neander Abreu, e Daniel Fuentes, no livro Avaliação Neuropsicológica (Artmed; 2º edição). Neste, encontramos que uma adequada avaliação neuropsicológica é subsidiada por algumas etapas, entrevista, observação, testes e escalas. A primeira etapa é composta pela entrevista abrangente (com o paciente e seus familiares) e pela observação do comportamento do paciente no consultório e, se possível, por meio de outros contextos naturalísticos. A entrevista e a observação permitem uma boa formulação de hipóteses que serão testadas em seguida. A etapa seguinte inclui seleção, aplicação e interpretação de testes e escalas de auto e heterorrelato. Na terceira e última etapa, há a integração das informações coletadas na parte inicial com os resultados da testagem/rastreio de processos cognitivos, emocionais e comportamentais, o que permite traçar inferências nosológicas, topográficas e funcionais. Na maioria das vezes, o exame neuropsicológico é um exame complementar, assim, deve ser considerado à luz de outros exames clínicos para nortear o raciocínio médico no fechamento de diagnósticos.

Este projeto nasceu da solicitação de membros da comunidade que, tendo que lidar com a necessidade de oferecer a seus entes estes recursos, e só podendo para a realização de exames contar com aqueles que são oferecidos na esfera pública, e portanto, amargaram a longa espera, a burocracia excessiva, a falta de profissionais capacitados para tanto, e os alto custos dos exames; agora contam com a chancela dos vereadores para viabilizar tais avaliações clínicas de forma mais célere e disponível.

Observemos o que nos diz, em parte, em relação ao direito constitucional à saúde, a nossa Carta Magna:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.

Art. 198.

§ 1º O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

Assim, administrativamente, todos os entes federativos possuem competência para assegurar a efetividade e plenitude da saúde pública, devendo o exercício dessa competência, porém, para se evitar desnecessários embates entre os diversos entes federativos, pautar-se pelo princípio da predominância do interesse. Como bem salientado por Ives Gandra Martins, "A saúde é, todavia, no elenco das finalidades a que o Estado está destinado a dedicar-se, talvez, a mais relevante e que mereça atenção maior".

A atividade legislativa municipal submete-se aos princípios da Constituição Federal, com estrita obediência à Lei Orgânica dos Municípios, à qual cabe o importante papel de definir as matérias de competência legislativa da Câmara, uma vez que a Constituição Federal não a exaure, pois usa a expressão "interesse local" como catalisador dos assuntos de competência municipal:

Art. 30 Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

(...)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população".

Em relação à competência genérica em virtude da predominância do interesse local (CF, art. 30, I), apesar de difícil conceituação, interesse local refere-se àqueles interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União), pois, como afirmado por Fernanda Dias Menezes, "é inegável que mesmo atividades e serviços tradicionalmente desempenhados pelos municípios, como transporte coletivo, polícia das edificações, fiscalização das condições de higiene de restaurantes e similares, coleta de lixo, ordenação do uso do solo urbano etc., dizem secundariamente com o interesse estadual e nacional".

Dessa forma, salvo as tradicionais e conhecidas hipóteses de interesse local, as demais deverão ser analisadas caso a caso, vislumbrando-se qual o interesse predominante (princípio da predominância do interesse).

O artigo 30, II, da Constituição Federal, preceitua caber ao município suplementar a legislação federal e estadual, no que couber, podendo o município suprir as omissões e lacunas da legislação federal e estadual, embora não podendo contraditá-las, inclusive nas matérias previstas no artigo 24 da Constituição de 1988. Assim, a Constituição Federal prevê a chamada "competência suplementar" dos municípios, consistente na autorização de regulamentar as normas legislativas federais ou estaduais, para ajustar sua execução a peculiaridades locais, sempre em concordância com aquelas e desde que presente o requisito primordial de fixação de competência desse ente federativo: interesse local. Ressalte-se que, no caso de serviços de atendimento à saúde da população, a própria Constituição Federal presume, no artigo 30, VII, a "existência de interesse local", legitimados da atuação do Município.

Dessa forma, por todos os argumentos previamente exauridos, salientando o interesso público e o interesse local pela matéria, contamos com a aprovação deste projeto pelos nobres Pares dessa colenda Casa Legislativa.

Usamos cookies e tecnologias semelhantes para melhorar sua experiência neste site.

Ao utilizar nossos serviços, você concorda com esse monitoramento.

Política de privacidade