Câmara Municipal de Três Corações - MG

Lei Ordinária nº 4683/2022
de 03/05/2022
Ementa

Dispõe sobre a assistência a pacientes com Transtorno do Espectro Autista, no âmbito do Município de Três Corações/MG.                                                               

Documento Oficial Imagem da Lei
Texto

Art. 1º Os pacientes com hipótese diagnóstica ou diagnóstico firmado de Transtorno do Espectro Autista (TEA) receberão, gratuitamente, na rede pública de saúde do Município de Três Corações, todas as avaliações e os tratamentos necessários, na forma desta Lei.

§ 1º O TEA é considerado um transtorno do neuro-desenvolvimento que se manifesta geralmente na primeira infância, ou mais tardiamente quando as demandas sociais se mostrarem excessivas. É caracterizado por déficits persistentes na capacidade de iniciar e manter a intercomunicação e a interação social, além de uma série de padrões de comportamentos e de interesses restritos e repetitivos, que são claramente atípicos para o indivíduo. Os déficits são suficientemente graves para causar prejuízos no funcionamento pessoal, familiar, social, educacional, ocupacional e/ou em outras áreas;

§ 2º São características frequentemente presentes em crianças com TEA:

I - Dificuldades Sociais e de Comunicação:

a. Dificuldade para estabelecer conversa;

b. Dificuldade para iniciar interação social;

c. Dificuldade em demonstrar emoções;

d. Prefere ficar sozinho;

e. Pouco contato visual;

f. Linguagem corporal pobre;

g. Pouca expressão facial;

h. Não entende linguagem corporal ou facial;

i. Dificuldade para entender ironia ou piadas.

II - Interesses Restritos e Repetitivos:

a. Estereotipais motoras;

b. Alinhar objetos;

c. Ecolalia;

d. Sofrimento extremo frente às mudanças;

e. Dificuldade com transições;

f. Padrões rígidos de pensamento;

g. Interesse extremo ou restrito a um assunto;

h. Rituais de saudação;

i. Necessidade de fazer o mesmo caminho;

j. Hipo ou hiperatividade a estímulos sensoriais;

k. Cheirar ou tocar objetos;

l. Apego incomum a determinado objeto;

m. Recusa de determinados alimentos.

§ 3º Compõem o corpo técnico especializado para avaliação e tratamento de pacientes com TEA, profissionais de diversas categorias, tais como médico neurologista, médico psiquiatra, médico pediatra, psicólogo, psicopedagogo, fonoaudiólogo, assistente social e terapeuta ocupacional.

Art. 2º A avaliação técnica de pacientes com hipótese diagnóstica de TEA, será feita por profissionais especializados, competentes para tanto, quando deverão ser considerados os seguintes critérios:

I - A observação direta ou entrevista com o paciente com hipótese diagnóstica de TEA  é imprescindível, pois o paciente deve ter oportunidade de demonstrar suas habilidades e capacidades, além de suas dificuldades; e, seu atendimento deve também incluir sua avaliação cognitiva, seu funcionamento adaptativo e sua capacidade de comunicação;

II - A família do paciente em avaliação deverá sempre ser consultada para fornecer dados sobre a convivência cotidiana com seu ente, e outros dados biográficos que comporiam e elucidariam o desenvolvimento de seu quadro atual. De forma semelhante, esse contato é primordial para se estabelecer um compromisso com o projeto terapêutico individual a ser oferecido ao paciente;

III - O diagnóstico do TEA será realizado através da observação clínica. Por não ter um marcador biológico, a avaliação diagnóstica requer experiência clínica, habilidade e familiaridade com indivíduos com TEA. Além disso, o profissional deve ter experiência com outros transtornos relacionados e com a variação normal do desenvolvimento da criança e do adolescente;

IV - Na avaliação diagnóstica, sintomas comórbidos tais como auto e heteroagressividade, irritabilidade, hiperatividade, desatenção, impulsividade, problemas de sono e auto-lesões também deverão ser considerados;

V - A avaliação deverá incluir a história do desenvolvimento neuro-psicomotor e anormalidades nos primeiros anos de vida, antecedentes gestacionais e neonatais, comportamentos do sono e alimentar, investigação de possíveis comorbidades clínicas, história médica da criança à procura de sinais de deterioração, convulsões, doenças gastrointestinais e uma história familiar documentando a presença de parentes com TEA, deficiência intelectual, síndrome do X-frágil, esclerose tuberosa, problemas sutis de linguagem, comunicação e aprendizado e outras questões de saúde mental;

VI - Escalas psicométricas poderão ser utilizadas por profissionais competentes, sobretudo, para diagnóstico, triagem classificatória e avaliação da gravidade do TEA;

VII - Entrevistas com professores e outros cuidadores geralmente trarão informações adicionais importantes. De forma semelhante, vídeos caseiros poderão auxiliar o avaliador a constatar comportamentos pouco frequentes ou que já não estão presentes;

VIII - O exame físico deverá ser realizado com objetivo de identificar a presença de neurofibromatose, esclerose tuberosa, traços dismórficos e outras condições patológicas. Também deve-se realizar a avaliação da audição, da fala e da linguagem, bem como avaliação neurológica e quando solicitada, avaliação genética. Exames complementares podem ser úteis para a avaliação do estado geral do paciente e até para definir a etiologia do TEA.

Art. 3º O tratamento de pacientes com diagnóstico firmado de TEA, será feito por profissionais especializados, competentes para tanto, quando deverão ser considerados os seguintes critérios:

I - O tratamento do TEA caracteriza-se por intervenção precoce através de terapias que visam potencializar o desenvolvimento do paciente;

II - Atualmente as terapias com maior evidência de benefício para pacientes com TEA são baseadas na ciência da Análise do Comportamento Aplicada (ABA – Applied Behavior Analysis), associada a terapias auxiliares, como fonoterapia e terapia ocupacional. Outras abordagens devem ser orientadas de acordo com cada caso individual. A periodicidade de intervenções terapêuticas deverá ser definida por cada profissional;

III - Eventualmente, pode ser necessário o uso de medicamentos em pacientes com TEA, especialmente, para sintomas associados, como agressividade e agitação;

IV - Dietas, suplementações vitamínicas e vários tipos de abordagens têm sido propostas para o tratamento do TEA, entretanto, não há evidência científica para que muitas dessas terapias sejam utilizadas. A prescrição de um tratamento sem comprovação científica pode trazer grandes prejuízos, pois quando a família decide seguir um tratamento alternativo, muitas vezes ela abandona o tratamento comprovadamente eficaz;

V - Devido aos riscos de efeitos colaterais, além de gastos desnecessários, a orientação das famílias com filhos com TEA deve incluir a abordagem sobre riscos e benefícios dos tratamentos alternativos. Também, deve-se orientar que vacinas não causam ou desencadeiam TEA e que os pacientes com TEA devem tomar todas as vacinas disponíveis para cada faixa etária;

VI - A abordagem profissional às famílias que possuem pacientes com TEA deverá ser habitual e periódica e, quando necessário, os membros destas famílias também deverão ser encaminhados para tratamentos específicos.

Art. 4º O paciente com hipótese diagnóstica de TEA terá direito de iniciar as avaliações necessárias para elucidação de seu quadro clínico no prazo de até 30 (trinta) dias contados a partir do dia em que estas avaliações forem solicitadas.

Art. 5º O paciente com diagnóstico firmado de TEA terá direito de iniciar as abordagens terapêuticas a ele prescritas em até 30 (trinta) dias contados do momento destas prescrições.

Art. 6º Para as avaliações e abordagens terapêuticas aos pacientes com TEA, serão concorrentes todos os profissionais especializados da rede pública de saúde do Município de Três Corações.

Parágrafo único. Quando não estiverem disponíveis os profissionais elencados no caput, o Município deverá estabelecer novas formas de parcerias com escolas,  clínicas, hospitais, serviços e/ou profissionais competentes para o que determina essa Lei.

Art. 7º Fica o Poder Executivo Municipal autorizado a firmar parcerias com profissionais, pessoas físicas ou jurídicas, de caráter público ou privado, sob as diversas modalidades legalmente autorizadas e estabelecidas, com o fim de cumprimento desta Lei.

Art. 8º O Poder Executivo Municipal regulamentará, no que couber, a presente Lei, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, contados da data de sua publicação.

Art. 9º As despesas decorrentes da execução da presente Lei correrão por conta de dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.

Art. 10 Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, nos termos do art. 174 da Lei Orgânica Municipal.

Complemento

Justificativa:

O mérito desta proposição está em determinar que os pacientes com hipótese diagnóstica ou diagnóstico firmado de Transtorno do Espectro Autista (TEA) receberão, gratuitamente, na rede pública de saúde do Município de Três Corações, todas as avaliações e os tratamentos necessários ao seu desenvolvimento integral e asseguramento de sua qualidade de vida.

O presente projeto de Lei compõe e normatiza o Sistema Municipal de Atendimento à Pessoa Autista, autorizado pela Lei Municipal nº 3853/2013 - "Proteção ao Autista", que originariamente objetivaria a plena efetivação dos direitos fundamentais decorrentes da constituição Federal e das Leis Federais e Estaduais que tratam das pessoas com transtorno do Espectro Autista. Também, revela ampla consonância com o que determina a Lei Federal nº 12764/2012, que Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.

Em recente pesquisa apresentada por Rosalia Maria de Rezende e Paulo Izidio da Silva, intitulada "O direito da pessoa com Transtorno do Espectro Autismo (TEA)", concluiu-se que:

Em que pese à existência de previsão legal, apurou-se que os indivíduos com a TEA têm seus direitos violados e ainda necessitam da atuação do Poder Judiciário para cessar as ofensas à sua dignidade humana, muitas vezes violada pelo não acesso aos direitos básicos à saúde, educação e trabalho.

A Constituição Federal de 1988, que instituiu o Estado Democrático de Direito, possui entre suas cláusulas pétreas a proteção aos direitos e garantias fundamentais de todos os cidadãos que estão sob a jurisdição nacional, todos essenciais para o exercício de uma vida digna. Alguns indivíduos que, por possuírem condições especiais, exigem do Estado uma maior regulamentação que positive e torne efetivo o exercício desses direitos, dentre eles aqueles que possuem o chamado Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Essa condição compromete o comportamento e sociabilidade dos seus portadores, especialmente por uma deficiência significativa na capacidade de comunicação e interação social.

A obrigatoriedade do Estado em assegurar os direitos das pessoas com deficiência está expressamente prevista na Lei de Apoio às pessoas portadoras de deficiência em vigor desde o ano de 1989, que em seu artigo 2º dispõe:

Art. 2º Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico.

Com o intuito de atingir a este objetivo, foi sancionada a Lei nº 13146/2015 que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, também denominada de Estatuto da Pessoa com Deficiência. A constatação da deficiência prevista nesta Lei deve ocorrer por meio de uma equipe multidisciplinar que levará em consideração as funções e estruturas do corpo, aspectos psicológicos, a limitação no desempenho de atividades e a restrição de participação de pessoa. Uma vez constatada a deficiência, estará o indivíduo protegido pelas normativas de proteção da pessoa com deficiência, que visam a sua inclusão e não discriminação social. Dentre as pessoas com deficiência compreendidas pela legislação estão aqueles que possuem o Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Os direitos das pessoas diagnosticadas com o transtorno do espectro autista estão enumerados no artigo 3º da Lei da Política Nacional do TEA e são os seguintes:

Art. 3º São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista:

I – a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da personalidade, a segurança e o lazer;

II – a proteção contra qualquer forma de abuso e exploração;

III – o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde, incluindo:

a. o diagnóstico precoce, ainda que não definitivo;

b. o atendimento multiprofissional;

c. a nutrição adequada e a terapia nutricional;

d. os medicamentos;

e. informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento;

IV – o acesso:

a. à educação e ao ensino profissionalizante;

b. b) à moradia, inclusive à residência protegida;

c. c) ao mercado de trabalho;

d. d) à previdência social e à assistência social.

Parágrafo único. Em casos de comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular, nos termos do inciso IV do art. 2º , terá direito a acompanhante especializado.

Ressalte-se que o direito fundamental dos autistas que é corriqueiramente debatido e cobrado do Poder Público refere-se ao direito à saúde, que deve ser assegurado ao indivíduo com TEA, que necessita de acompanhamento médico para tratar essa sua deficiência.

APELAÇÃO CÍVEL – OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA – CRIANÇA DENTRO DO ESPECTRO AUTISTA – INDICAÇÃO MÉDICA PARA TRATAMENTO PELO MÉTODO ABA – EVOLUÇÃO POSITIVA NO QUADRO DE SAÚDE DA INFANTE – FAMÍLIA CARENTE DE RECURSOS FINANCEIROS PARA ARCAR COM O TRATAMENTO – SITUAÇÃO EXCEPCIONAL – DEVER DO ESTADO PODER PÚBLICO DE ASSEGURAR O DIREITO À SAÚDE – TRATAMENTOS MULTIDISCIPLINARES FORNECIDOS PELO SUS – MANUTENÇÃO ATÉ ALTA MÉDICA – EQUOTERAPIA E MUSICOTERAPIA – PEDIDO GENÉRICO – AUSÊNCIA DE PROVA DA NECESSIDADE – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A saúde é direito de todos e dever do Estado, conforme expressamente garante o art. 196 da Constituição Federal. Ao Poder Judiciário cabe, em situações excepcionais, determinar que a administração pública adote medidas concretas, assecuratórios de direito constitucionalmente reconhecidos como essenciais, como é o caso da saúde, mormente quando se trata de criança especial. 2. Comprovados os benefícios que o tratamento pelo método ABA tem proporcionado à criança que se encontra dentro do espectro autista e não sendo o referido tratamento disponibilizado pelo SUS, deverá o Poder Público custeá-lo na rede privada, cuja necessidade de continuidade deve ser comprovada periodicamente. 3. Isso porque é imprescindível a delimitação da forma e do tempo do cumprimento de obrigação imposta pelo Poder Judiciário ao Ente Público, para o fim de custear o tratamento não disponibilizado pela rede pública de saúde, à criança portadora de necessidades pois tal medida evita a prorrogação desnecessária que implique sobrecarga ao erário público [...] (TJ-MS – APL: 08018911720178120002 MS 0801891-17.2017.8.12.0002, Relator: Des. Fernando Mauro Moreira Marinho, Data de Julgamento: 09/12/2018, 3º Câmara Cível, Data de Publicação: 11/12/2018).

Infelizmente, a simples previsão legal não é o suficiente para assegurar os direitos fundamentais dos cidadãos, mas sem dúvida é a ferramenta que permite a sua efetivação através de medidas impositivas do Estado.

Dessa forma, e por tudo isso, acredito que essa proposição apresentada aos nobres Pares será mais um instrumento de proteção às pessoas com Transtorno do Espectro Autista, e às suas famílias. Que nossa cidade, por nossas mãos, possa servir de exemplo de contribuição à luta contumaz e cotidiana pelo respeito e dignidade dessa parcela importante de nossa população!

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