Câmara Municipal de Três Corações - MG

Projeto de Lei Ordinária 5401/2021
de 07/10/2021
Situação
Sancionado / Promulgado (Lei nº 4606/2021)
Trâmite
07/10/2021
Regime
Ordinário
Assunto
Dispõe sobre
Autor
Vereador
JOSÉ MARIA DE LACERDA, JUVENIL ANDRÉ DE OLIVEIRA CLEMENTE, MAURÍCIO MIGUEL GADBEM, WEVERTON AGUIAR EXPEDITO, JULIANA PRUDÊNCIO.
Documento Oficial Anexo1 Trâmite
Veto Ocultar
Situação
Rejeitado
Entrada
13/09/2021
Natureza
Parcial
Autor
Executivo
Parte Modificada

veto parcial aposto ao Projeto de Lei que “Dispõe sobre as diretrizes para as ações de Promoção da Dignidade Menstrual, de conscientização e informação sobre a menstruação, do fornecimento de absorventes higiênicos e dá outras providências”, no que referem-se às disposições contidas no inciso IV do artigo 3º e nos artigos 4º e 5º.

Resumo

MENSAGEM DE VETO Nº 014/2021

Três Corações - MG, 9 de setembro de 2021.

Excelentíssimo Senhor

FABIANO JERONIMO

Presidente da Câmara Municipal de Três Corações

NESTA

Texto

Senhor Presidente,

Em cumprimento ao disposto na Lei Orgânica Municipal, venho por esta mensagem de veto, comunicar a Vossa Excelência o veto parcial por mim aposto ao Projeto de Lei que “Dispõe sobre as diretrizes para as ações de Promoção da Dignidade Menstrual, de conscientização e informação sobre a menstruação, do fornecimento de absorventes higiênicos e dá outras providências.”, no que referem-se às disposições contidas no inciso IV do artigo 3º e nos artigos 4º e 5º, em razão de inconstitucionalidade formal, e, consequente nulidade, quanto à iniciativa, bem como à criação de despesa não prevista no orçamento anual do Município.

A redação contida no inciso IV do artigo 3º e nos artigos 4º e 5º, do Projeto de Lei nº 5401/2021 apresenta vício insanável de iniciativa, bem como viola preceitos legais, ao criar despesa não prevista no orçamento, senão vejamos:

Os serviços disponibilizados de desenvolvimento social e saúde integram os serviços públicos do Poder Executivo Municipal, sendo que as leis que disponham sobre os serviços públicos são de iniciativa privativa do Prefeito, conforme prevê expressamente o inciso III do artigo 100 da Lei Orgânica do Município de Três Corações, senão vejamos:

Art. 100 - São de iniciativa privativa do Prefeito, as leis que disponham sobre:

(...)

III - organização administrativa, matéria orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração; (NR) (grifamos)

A norma que cria obrigação à municipalidade, impondo aumento de despesa, é de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo, sendo que o Poder Legislativo, ao criar norma dessa envergadura, viola o disposto no artigo 66, inciso III, da Constituição do Estado de Minas Gerais, aplicável, aos municípios, pelo princípio da simetria.

Além disso, o Poder Legislativo também ofende aos princípios da harmonia e separação dos poderes, quando interfere diretamente na autonomia e independência dos poderes.

Dessa forma a redação contida no inciso IV do artigo 3º e nos artigos 4º e 5º do Projeto de Lei nº 5401/2021 fere o disposto no artigo 153 e seguintes da Constituição Estadual de Minas Gerais, ao criar despesa não prevista na lei de diretrizes orçamentárias ou no orçamento anual do Município de Três Corações, pois cria medida que, para implantação, exigirá gastos não previstos em lei.

Sobretudo, há que se atentar que para a criação de uma norma municipal deve ser observada a hierarquia das leis e procedimentos, bem como a viabilidade de execução.

Nesse tear, verifica-se a ausência de acompanhamento de estimativa de impacto orçamentário-financeiro, tornando-se inexeqüível, não devendo prosperar tal proposição desacompanhada de estudo e levantamento prévio e respectiva estimativa de impacto orçamentário-financeiro, em detrimento ao que preceitua a legislação em vigor.

Ad argumentandum, observa-se de maneira clara que o disposto no inciso IV do artigo 3º e nos artigos 4º e 5º do PL Nº 5401/2021, padecem de formalidade, razão pela qual não podem integrar o ordenamento jurídico municipal, ante a usurpação de iniciativa, por normatizar matéria que compete de maneira exclusiva ao Poder Executivo, isto é, serviços públicos e criação de despesa.

Contudo, o veto parcial insurge-se diante da inconstitucionalidade do inciso IV do artigo 3º e dos artigos 4º e 5º do Projeto de Lei, resultante da usurpação do poder de iniciativa.  Conforme precedente do Supremo Tribunal Federal, até mesmo a ulterior aquiescência do Chefe do Poder Executivo, mediante sanção, não tem o condão de sanar o vício da inconstitucionalidade de usurpação, conforme se observa da superação do enunciado 5 do STF:

“O desrespeito à prerrogativa de iniciar o processo de positivação formal do Direito, gerado pela usurpação do poder sujeito à cláusula de reversa, traduz vício jurídico de gravidade inquestionável, cuja ocorrência reflete típica hipótese de inconstitucionalidade formal, apta a infirmar, de modo irremissível, a própria integridade jurídica do ato legislativo eventualmente editado. Dentro desse contexto - em que se ressalta a imperatividade da vontade subordinante do poder constituinte -, nem mesmo a aquiescência do Chefe do Executivo mediante sanção ao projeto de lei, ainda quando dele seja a prerrogativa usurpada, tem o condão de sanar esse defeito jurídico radical. Por isso mesmo, a tese da convalidação das leis resultantes do procedimento inconstitucional de usurpação - ainda que admitida por esta Corte sob a égide da Constituição de 1946 (Súmula n.º 5 ) - não mais prevalece, repudiada que foi seja em face do magistério da doutrina (...), seja, ainda, em razão da jurisprudência dos Tribunais, inclusive a desta Corte (...)." (ADI 1197 , Relator Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgamento em 18.5.2017, DJe de 31.5.2017).

Nesse sentido: ADI 2113, Relatora Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgamento em 4.3.2009, DJe de 21.8.2009; ADI 2867 , Relator Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgamento em 3.12.2003, DJe de 9.2.2007; ADI 1381 MC , Relator Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgamento em 7.12.1995, DJe de 6.6.2003; ADI 1438 , Relator Ministro Ilmar Galvão, Tribunal Pleno, julgamento em 5.9.2002, DJe de 8.11.2002; ADI 700 , Relator Ministro Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgamento em 23.5.2001, DJe de 24.8.2001; Rp 890 , Relator Ministro Oswaldo Trigueiro, Tribunal Pleno, julgamento em 27.3.1974, DJe de 7.6.1974.

Ex positis, a redação contida no inciso IV do artigo 3º e nos artigos 4º e 5º do Projeto de Lei nº 5401/2021 que “Dispõe sobre as diretrizes para as ações de Promoção da Dignidade Menstrual, de conscientização e informação sobre a menstruação, do fornecimento de absorventes higiênicos e dá outras providências.”, apresentado por membros da Câmara Municipal, apresenta vício insanável de legalidade, formalidade e inconstitucionalidade formal, acerca da usurpação de iniciativa, em razão da competência privativa do Poder Executivo de legislar acerca de serviços públicos, bem como a criação de despesa não prevista no orçamento anual do Município e ainda, pela inviabilidade de execução, posto que desacompanhado de estudo e levantamento prévio e respectiva estimativa de impacto orçamentário-financeiro, em detrimento ao interesse público e a legislação em vigor.

Diante das considerações apresentadas, demonstrados os óbices que impedem a sanção das redações contidas no inciso IV do artigo 3º e nos artigos 4º e 5º do PL nº 5401/2021, somos levados a propor o veto parcial ao citado Projeto de Lei, não podendo fazer parte do ordenamento jurídico municipal.

Pelo exposto, é o presente veto, a fim de apreciação dessa Ilustre Casa Legislativa.

Atenciosamente,

JOSÉ ROBERTO DE PAIVA GOMES

Prefeito de Três Corações – MG

Ementa

Dispõe sobre as diretrizes para as ações de Promoção da Dignidade Menstrual, de conscientização e informação sobre a menstruação, do fornecimento de absorventes higiênicos e dá outras providências.

Texto

Art. 1° Ficam instituídas, no âmbito municipal, as diretrizes das ações de Promoção da Dignidade Menstrual, que serão regidas nos termos desta Lei.

Art. 2º As ações instituídas por esta Lei têm como objetivos a conscientização acerca da menstruação, assim como o acesso aos absorventes higiênicos femininos, como fator de redução da desigualdade social, e visa, em especial:

I - combater a precariedade menstrual;

II - promover a atenção integral à saúde da mulher e aos cuidados básicos decorrentes da menstruação;

III - garantir a universalização do acesso, às mulheres pobres e extremamente pobres, aos absorventes higiênicos, durante o ciclo menstrual;

IV - combater a desinformação e tabu sobre a menstruação, com a ampliação do diálogo sobre o tema nas políticas, serviços públicos, na comunidade e nas famílias;

V - combater a desigualdade de gênero nas políticas públicas e no acesso à saúde, educação e assistência social;

VI - reduzir faltas em dias letivos, prejuízos à aprendizagem e evasão escolar de estudantes em idade reprodutiva;

VII - promover a saúde de pessoas trans masculinas, não binárias e gênero fluído.

Art. 3º As ações de Promoção da Dignidade Menstrual de que trata esta Lei consistem nas seguintes diretrizes básicas:

I - desenvolvimento de ações e articulação entre órgãos públicos, sociedade civil e a iniciativa privada, que visem ao desenvolvimento do pensamento livre de preconceito, em torno da menstruação;

II - incentivo à promoção de palestras e cursos nos quais a menstruação seja abordada como um processo natural do corpo feminino, com vistas à proteção à saúde da mulher;

III - elaboração e distribuição de cartilhas e folhetos explicativos que abordem o tema da menstruação, objetivando ampliar o conhecimento e desmistificar a questão;

IV - disponibilização e distribuição gratuita de absorventes, pelo Poder Público Municipal, às mulheres cadastradas.

Art. 4º O disposto no inciso IV do art. 3° desta Lei aplica-se às mulheres em situação de vulnerabilidade.

Art. 5º Para efeitos desta Lei serão utilizados os indicadores sociais do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), CadÚnico e dados disponíveis no Centro de Assistência Social de Três Corações/MG, para a definição das mulheres em situação de vulnerabilidade.

Art. 6° As despesas decorrentes com a presente Lei decorrerão por conta de verbas próprias do orçamento vigente, suplementadas se necessário.

Art. 7° A presente Lei será regulamentada pelo Executivo no prazo de 30 (trinta) dias, contados da sua publicação.

Art. 8° Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação nos termos do art. 174 e §1º da Lei Orgânica Municipal.

Complemento

JUSTIFICATIVA:

Senhor Presidente,

Senhora Vereadora,

Senhores Vereadores,

A presente proposição deseja estabelecer um programa de políticas públicas para combater a chamada “pobreza menstrual” e seus problemas derivados. Esse é um programa necessário e prioritário, uma vez que afeta aproximadamente XX% da população do município: de acordo com dados do último censo demográfico (IBGE 2010), em Três Corações/MG tem uma população de 17.471 meninas e mulheres entre 10 e 44 anos, dentre os 72.765 Habitantes.

A menstruação é um processo natural das pessoas do sexo biológico feminino. No entanto, há muita desinformação sobre esse processo, o que pode colocar as meninas e mulheres em uma situação de vulnerabilidade. Devido à relevância do tema, este vem ganhando espaço no debate público na última década. Em 2014, por exemplo, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu que o direito das mulheres à higiene menstrual é uma questão de Saúde Pública e de direitos humanos.

Num contexto de desigualdade de renda que permeia o nosso município (Índice de Gini de 0,5655) , o que é um direito muitas vezes se torna um luxo. Os ciclos menstruais demandam tempo e dinheiro mensais para seu manejo. Fazendo uma estimativa média do custo, durante um intervalo de 40 anos, as mulheres têm aproximadamente 450 ciclos menstruais. Se considerarmos que são usados 20 absorventes por ciclo e que o custo médio de um absorvente seja igual a R$0,35, a compra de absorventes ao longo da vida tem um custo mínimo de R$ 3.000. De acordo com a PNAD Contínua (IBGE, 2020), a renda anual dos 5% mais pobres é de R$ 1.920.

Portanto, as mulheres que se encontram dentro desta faixa de renda precisam trabalhar até 4 anos para custear os absorventes que usarão ao longo da vida.

Considerando esses gastos, a menstruação se torna um fator agravante não só de desigualdade social, mas também um problema de Saúde Pública, à medida que parte das pessoas que menstruam não tem acesso às informações e aos meios devidos de cuidados da saúde e higiene menstrual. Por um lado, mulheres sem condições de compra de absorventes acabam utilizando materiais indevidos para esse fim, como miolo de pão, algodão, entre outros, que podem ocasionar infecções e outros problemas graves de saúde. Uma pesquisa de 2018 da marca de absorventes Sempre Livre apontou que 22% das meninas de 12 a 14 anos no Brasil não têm acesso a produtos higiênicos adequados durante o período menstrual. A porcentagem sobe para 26% entre as adolescentes de 15 a 17 anos.

Por outro lado, o acesso a equipamentos e facilidades de higiene é um desafio maior e estrutural do país com um todo, uma vez 5,4 milhões de pessoas vivem em domicílios sem banheiro (PNAD Contínua, 2019). Com o aumento da pobreza e da extrema pobreza decorrente da pandemia5, é possível que o número de pessoas vivendo em condições de saneamento inadequadas seja maior em 2021. E consequentemente, o desafio da “pobreza” menstrual” deve se agravar.

As consequências desse problema de “pobreza menstrual” são graves e podem ter efeitos de longo prazo para o desenvolvimento humano de parte relevante da população do nosso município. No quesito Educação, estima-se que 1 a cada 4 jovens já faltou à escola por não possuir absorvente. Para além de poder comprar absorvente, o absenteísmo escolar atrelado à menstruação pode se dar por outras razões, como cólicas, cefaleia e outros mal-estares ligados ao período menstrual, bem como pela falta de infraestrutura para o adequado manejo da higiene menstrual, incluindo acesso a instalações seguras e convenientes para descartar materiais usados.

A primeira menstruação acontece, em média, aos 13 anos, idade que, em uma progressão normal de ensino, corresponde ao sétimo ou oitavo ano do Ensino Fundamental. Dali até o fim do Ensino Médio, por 5 a 6 anos, elas dependerão das condições oferecidas na escola para realizar o manejo de sua higiene menstrual. O Brasil tem hoje cerca de 7,5 milhões de meninas nessa condição - meninas que menstruam na escola8. O banheiro não é só condição para a troca de absorventes. É também um espaço de privacidade, muitas vezes necessário para um respiro quando a menstruação vem acompanhada de dores e desconfortos. Um dos raros estudos focados em meninas brasileiras, conduzido no interior de Pernambuco, observou que 31% das adolescentes já faltaram à escola em decorrência da menstruação9.

Um movimento que é atuante nesta frente é o Girl Up, movimento que nasceu em 2010, fundado pela Fundação da ONU, que funciona como propulsionador de jovens lideranças femininas, que pensam causas importantes para a promoção e defesa da mulher. O relatório feito pela organização Girl Up mostra que o acesso à dignidade e à higiene menstrual são importantes para a conquista de vários Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Aproveito aqui para agradecer por toda a ajuda na construção deste projeto e por toda a luta que elas desenvolvem.

Um programa voltado para a naturalização, informação e fomento aos cuidados pessoais quanto à menstruação se torna necessário para trazer a compreensão que a pobreza menstrual é um obstáculo para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e para o consequente desenvolvimento de nosso município. Este projeto de lei reconhece ta importância de fazer circular informação entre todos os públicos, com especial atenção para tomadores de decisão - menstruem eles ou não.

Isto posto e certos da compreensão, esta Vereadora solicita aos nobres vereadores que compõem este Legislativo a aprovação do presente projeto de lei.

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