Senhor Presidente,
Em cumprimento ao disposto na Lei Orgânica Municipal, em especial o artigo 105, venho por esta mensagem de veto, comunicar a Vossa Excelência o veto total por mim aposto ao Projeto de Lei 5896/2023 que “Dispõe sobre a instrução dos projetos de lei que visam autorizar o Poder Executivo a contratar operações de crédito”.
O Projeto de Lei nº 5896/2023, apresenta vícios insanáveis de formalidade, legalidade e inconstitucionalidade formal e material, e, consequente nulidade, quanto à iniciativa, posto que as leis que disponham acerca de matéria orçamentária são de iniciativa privativa do Prefeito, ante a total ilegalidade do projeto e violação aos dispositivos legais, em especial ao que determina a Lei de Responsabilidade Fiscal – Lei nº 101/2000 e a Lei Orgânica do Município de Três Corações.
O Projeto de Lei nº 5896/2023 que “Dispõe sobre a instrução dos projetos de lei que visam autorizar o Poder Executivo a contratar operações de crédito”, apresenta vícios insanáveis de formalidade, legalidade e inconstitucionalidade formal, e, consequente nulidade, quanto à iniciativa, posto que as leis que disponham acerca de matéria orçamentária são de iniciativa privativa do Prefeito, conforme prevê expressamente o inciso III do artigo 100 da Lei Orgânica do Município de Três Corações, senão vejamos:
Art. 100 - São de iniciativa privativa do Prefeito, as leis que disponham sobre:
(...)
III - organização administrativa, matéria orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração; (grifamos)
A norma que autoriza a municipalidade no que concerne a operações de crédito e matéria orçamentária é de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo, sendo que o Poder Legislativo, ao criar norma dessa envergadura, viola o disposto no artigo 66, inciso III, da Constituição do Estado de Minas Gerais, aplicável, aos municípios, pelo princípio da simetria.
Nesse sentido o recente entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais em Ação Direta de Inconstitucionalidade impetrada pelo Município de Três Corações, senão vejamos:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE TRÊS CORAÇÕES. LEI N. 4668/2022. INICIATIVA PARLAMENTAR. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE PSICOLOGIA E SERVIÇO SOCIAL NA REDE PÚBLICA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. ESTRUTURAÇÃO DA SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, CRIAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS E DEFINIÇÃO DAS SUAS ATRIBUIÇÕES. INICIATIVA RESERVADA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA. Os Poderes Legislativo e Executivo do Município devem obediência às regras de iniciativa legislativa reservada, fixadas constitucionalmente, sob pena de desrespeito ao postulado da separação dos poderes. Ao disciplinar a organização dos Poderes, a Constituição Estadual delimitou as funções que incumbem exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo em norma de observância obrigatória pelos Municípios mineiros em obediência ao princípio da simetria. A Lei n. 4668/2022, do Município de Três Corações, ao cuidar da estruturação da Secretaria de Educação e criar novos cargos públicos, dispondo sobre suas atribuições e seu regime jurídico, usurpou competência privativa do Chefe do Poder Executivo e violou o princípio constitucional da separação de poderes, o que implica reconhecer a sua inconstitucionalidade. (TJMG - Ação Direta Inconst 1.0000.22.133672-0/000, Relator(a): Des.(a) Edilson Olímpio Fernandes , ÓRGÃO ESPECIAL, julgamento em 15/02/2023, publicação da súmula em 27/02/2023) (grifamos)
Além disso, o Poder Legislativo também ofende aos princípios da harmonia e separação dos poderes, quando interfere diretamente na autonomia e independência dos poderes.
Dessa forma o Projeto de Lei nº 5896/2023 fere também o disposto no artigo 90, V da Constituição Estadual de Minas Gerais, ao iniciar o processo legislativo acerca de matéria de interesse e iniciativa exclusiva do Executivo.
Sobretudo, há que se atentar que para a criação de uma norma municipal deve ser observada a hierarquia das leis e procedimentos, bem como a normatização já existente, destarte a Lei Complementar nº 101/2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal em seu artigo 32, Resoluções nº 40 e 43/2001 do Senado Federal, bem como as disposições da Secretaria do Tesouro Nacional não podendo ser elaborada lei que disponha sobre o assunto, sem o rigor dos procedimentos legais e análise de viabilidade.
Projeto de Lei nº 5896/2023 apresenta-se em total contrariedade ao disposto nas legislações aplicáveis, mormente ao que dispõe a Lei de Responsabilidade Fiscal – Lei nº 101/2000, em especial o disposto no artigo 32, senão vejamos:
Art. 32. O Ministério da Fazenda verificará o cumprimento dos limites e condições relativos à realização de operações de crédito de cada ente da Federação, inclusive das empresas por eles controladas, direta ou indiretamente.
§ 1o O ente interessado formalizará seu pleito fundamentando-o em parecer de seus órgãos técnicos e jurídicos, demonstrando a relação custo-benefício, o interesse econômico e social da operação e o atendimento das seguintes condições:
I - existência de prévia e expressa autorização para a contratação, no texto da lei orçamentária, em créditos adicionais ou lei específica;
II - inclusão no orçamento ou em créditos adicionais dos recursos provenientes da operação, exceto no caso de operações por antecipação de receita;
III - observância dos limites e condições fixados pelo Senado Federal;
IV - autorização específica do Senado Federal, quando se tratar de operação de crédito externo;
V - atendimento do disposto no inciso III do art. 167 da Constituição ;VI - observância das demais restrições estabelecidas nesta Lei Complementar.
§ 2o As operações relativas à dívida mobiliária federal autorizadas, no texto da lei orçamentária ou de créditos adicionais, serão objeto de processo simplificado que atenda às suas especificidades.
§ 3o Para fins do disposto no inciso V do § 1o, considerar-se-á, em cada exercício financeiro, o total dos recursos de operações de crédito nele ingressados e o das despesas de capital executadas, observado o seguinte:
I - não serão computadas nas despesas de capital as realizadas sob a forma de empréstimo ou financiamento a contribuinte, com o intuito de promover incentivo fiscal, tendo por base tributo de competência do ente da Federação, se resultar a diminuição, direta ou indireta, do ônus deste;
II - se o empréstimo ou financiamento a que se refere o inciso I for concedido por instituição financeira controlada pelo ente da Federação, o valor da operação será deduzido das despesas de capital;
III - (VETADO)
§ 4o Sem prejuízo das atribuições próprias do Senado Federal e do Banco Central do Brasil, o Ministério da Fazenda efetuará o registro eletrônico centralizado e atualizado das dívidas públicas interna e externa, garantido o acesso público às informações, que incluirão:
I - encargos e condições de contratação;
II - saldos atualizados e limites relativos às dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito e concessão de garantias.
§ 5o Os contratos de operação de crédito externo não conterão cláusula que importe na compensação automática de débitos e créditos.
§ 6o O prazo de validade da verificação dos limites e das condições de que trata este artigo e da análise realizada para a concessão de garantia pela União será de, no mínimo, 90 (noventa) dias e, no máximo, 270 (duzentos e setenta) dias, a critério do Ministério da Fazenda. (Incluído pela Lei Complementar nº 159, de 2017) § 7º Poderá haver alteração da finalidade de operação de crédito de Estados, do Distrito Federal e de Municípios sem a necessidade de nova verificação pelo Ministério da Economia, desde que haja prévia e expressa autorização para tanto, no texto da lei orçamentária, em créditos adicionais ou em lei específica, que se demonstre a relação custo-benefício e o interesse econômico e social da operação e que não configure infração a dispositivo desta Lei Complementar.
Ao que demonstra, quando da propositura e aprovação da redação final do Projeto de Lei nº 5896/2023 não foi observada a regra contida na Carta Magna e tampouco o dispositivo alhures, o que, notadamente, constituem atos do Poder Executivo, reforçando a competência privativa para a proposição de legislação acerca da matéria rechaçada.
A redação contida no Projeto de Lei nº 5896/2023 ao instituir regra para operações de crédito, recalcitra à Lei Orgânica Municipal, senão vejamos:
Art. 131 - Ao Prefeito compete privativamente:
(...)
XXIX - suplementar o orçamento, cancelar total ou parcialmente as dotações orçamentárias, contrair empréstimos e realizar operações de crédito e antecipação de receita, mediante prévia e específica autorização da Câmara, conforme estabelecido nesta lei; (grifo nosso)
(...)
Demais disso, o Projeto de Lei nº 5896/2023, ao fixar função ao Poder Executivo no caso de atribuição imposta, interfere na autonomia político-administrativa desta municipalidade, prerrogativa concedida pelos artigos 18 e 29 da Constituição Federal e garantida nos artigos 1º, 20 e 115 da Lei Orgânica Municipal.
Contudo, o veto total insurge-se diante da inconstitucionalidade do Projeto de Lei resultante da usurpação do poder de iniciativa. Conforme precedente do Supremo Tribunal Federal, até mesmo a ulterior aquiescência do Chefe do Poder Executivo, mediante sanção, não tem o condão de sanar o vício da inconstitucionalidade de usurpação, conforme se observa da superação do enunciado 5 do STF:
“O desrespeito à prerrogativa de iniciar o processo de positivação formal do Direito, gerado pela usurpação do poder sujeito à cláusula de reversa, traduz vício jurídico de gravidade inquestionável, cuja ocorrência reflete típica hipótese de inconstitucionalidade formal, apta a infirmar, de modo irremissível, a própria integridade jurídica do ato legislativo eventualmente editado. Dentro desse contexto - em que se ressalta a imperatividade da vontade subordinante do poder constituinte -, nem mesmo a aquiescência do Chefe do Executivo mediante sanção ao projeto de lei, ainda quando dele seja a prerrogativa usurpada, tem o condão de sanar esse defeito jurídico radical. Por isso mesmo, a tese da convalidação das leis resultantes do procedimento inconstitucional de usurpação - ainda que admitida por esta Corte sob a égide da Constituição de 1946 (Súmula n.º 5 ) - não mais prevalece, repudiada que foi seja em face do magistério da doutrina (...), seja, ainda, em razão da jurisprudência dos Tribunais, inclusive a desta Corte (...)." (ADI 1197 , Relator Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgamento em 18.5.2017, DJe de 31.5.2017). Nesse sentido: ADI 2113, Relatora Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgamento em 4.3.2009, DJe de 21.8.2009; ADI 2867 , Relator Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgamento em 3.12.2003, DJe de 9.2.2007; ADI 1381 MC , Relator Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgamento em 7.12.1995, DJe de 6.6.2003; ADI 1438 , Relator Ministro Ilmar Galvão, Tribunal Pleno, julgamento em 5.9.2002, DJe de 8.11.2002; ADI 700 , Relator Ministro Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgamento em 23.5.2001, DJe de 24.8.2001; Rp 890 , Relator Ministro Oswaldo Trigueiro, Tribunal Pleno, julgamento em 27.3.1974, DJe de 7.6.1974.Note-se que, ainda sob a égide da Constituição anterior, o Supremo Tribunal Federal já havia superado a posição consolidada na Súmula 5, segundo a qual “a sanção do projeto supre a falta de iniciativa do Poder Executivo”. A Corte assentou que, como o vício de inconstitucionalidade é de ordem pública e inquina a norma ab initio, não é suscetível de convalidação pela posterior manifestação de vontade da autoridade cuja iniciativa privativa foi desrespeitada. Nesse sentido: Rp 890 , rel. min. Oswaldo Trigueiro, j. 27-03-1974; Rp 1.051 , rel. min. Moreira Alves, j. 02-04-1981. [Ar 1.753 , rel. min. Roberto Barroso, rev. min. Edson Fachin. P, j. 04-05-2020, DJE 154 19-06-2020].Ex positis, o Projeto de Lei nº 5896/2023 que “Dispõe sobre a instrução dos projetos de lei que visam autorizar o Poder Executivo a contratar operações de crédito”, apresenta vício insanável de legalidade, formalidade e inconstitucionalidade formal, acerca da usurpação de iniciativa, em razão da competência privativa do Poder Executivo de legislar acerca de matéria orçamentária, nos termos do inciso III, do art. 100, da Lei Orgânica do Município de Três Corações, e ainda, por violar o disposto no artigo 66, inciso III, da Constituição do Estado de Minas Gerais que, por sua vez, segue o disposto no artigo 61, parágrafo 1º, da Constituição Federal, ante a total ilegalidade do projeto e violação aos dispositivos legais, em especial ao que determina a Lei de Responsabilidade Fiscal – Lei nº 101/2000, a Lei Orgânica do Município de Três Corações, as Resoluções nº 40 e 43/2001 do Senado Federal, bem como as disposições da Secretaria do Tesouro Nacional.
Diante das considerações apresentadas, demonstrados os óbices que impedem a sanção do texto do Projeto de Lei nº 5896/2023, em virtude de sua inconstitucionalidade formal em razão de vício de iniciativa, apresentando-se totalmente inexequível, pelo o que somos levados a propor o veto em sua totalidade ao citado Projeto de Lei, não podendo o mesmo fazer parte do ordenamento jurídico municipal.
Pelo exposto, é o presente veto total, a fim de apreciação dessa Ilustre Casa Legislativa.
Atenciosamente,
JOSÉ ROBERTO DE PAIVA GOMES
Prefeito de Três Corações – MG